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Juventude e Cidadania

A juventude tem papel fundamental na construção de uma sociedade mais democrática, mas para que isso ocorra é necessária a participação dentro de espaços que exercitem nossa cidadania, provoquem nossa curiosidade e despertem nossa consciência crítica.

 

Por Thaynara Floriano e Gustavo Souza, da Viração

O principal direito de um cidadão é a igualdade. Essa filosofia existe desde Atenas até os dias de hoje – ela é a base fundamental para uma sociedade próspera e satisfeita. No entanto, no Brasil, embora persista essa ideia de sociedade igualitária, a realidade infelizmente não é próspera – e muito menos justa. Existem diferenças exorbitantes entre nós, por possuirmos diferentes rendas, oportunidades, educação, acesso aos serviços básicos de saúde, alimentação, moradia e qualidade de vida desde a primeira infância.

O conceito de cidadania nos remete ao desejo de participar da sociedade e tentar transformá-la. Muitas são as organizações que historicamente formularam e disputaram no campo da conquista de direitos para as juventudes: o Movimento Estudantil, as Pastorais da Juventude, o Movimento Negro, o Movimento LGBTQIA+, o Movimento de Mulheres, os Movimentos de Cultura, os Grupos de Defesa do Meio Ambiente, entre outras. Todas essas movimentações contribuíram e contribuem muito na conquista de direitos da juventude.

A juventude tem papel fundamental na construção de uma sociedade mais democrática, mas para que isso ocorra é necessária a participação dentro de espaços que exercitem nossa cidadania, provoquem nossa curiosidade e despertem nossa consciência crítica. E essa participação surge na possibilidade da participação e do protagonismo juvenil dentro do processo de globalização da cultura, propondo soluções no combate às desigualdades a partir de suas vivências.

A disseminação das informações pelas redes sociais pode ser uma grande aliada na conscientização para a cidadania, quando opera junto com a consciência crítica. Milhares de jovens estão online todos os dias e cada vez mais grupos com todo tipo de conteúdo ganham participantes de vários lugares do país, mostrando o grande poder de influência dos aplicativos, celulares e produtos midiáticos, tornando esses espaços grandes aliados na construção de debate e ideias.

Campanhas como a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de vários artistas, influenciadores, organizações da sociedade civil (incluindo a Viração e a Agência Jovem de Notícias) e coletivos de todo o país para incentivar o voto dos jovens, por exemplo, alcançaram 2 milhões de eleitores entre 16 e 18 anos entre os meses de março e maio deste ano. Mas exercer essa cidadania em âmbito constitucional é mais do que tirar o título de eleitor e estar apto para votar. O exercício e reconhecimento que vem com essa palavra está atrelado ao interesse e participação do jovem no Estado, ou seja, acompanhando projetos de lei, ações e tudo que afeta diretamente nosso modo de vida.

A sociedade passa por mudanças frequentes, sempre ligadas a questões sociais que indicam valores, sejam eles de comportamento ou mercadológicos. E toda essa mudança afeta diretamente a juventude; não só por definir o nosso futuro, mas por determinar o nosso agora. Sendo assim, os espaços de educação e aprendizagem precisam promover experiências pedagógicas que conduzam a uma participação cidadã, nas quais a juventude se encontre como uma parte importante dentro do meio, sendo capaz de transformar.

E para transformar, é necessário que essa educação esteja presente em espaços abertos à reflexão da nossa própria realidade enquanto juventude. Sem essa aproximação, a educação não pode ser de fato libertadora.

Através do protagonismo que surge com a consciência da nossa própria condição histórica, da condição dos nossos colegas, professores e familiares, dentro de espaços em que o diálogo, a comunicação e a transformação importam, a reformulação de políticas públicas e sociais acontecem.

Criado em 2005, o Conselho Nacional de Juventude (CNJ) é instrumento para nosso empoderamento, tendo como uma de suas principais responsabilidades elaborar, avaliar e monitorar as políticas públicas relacionadas à juventude. O Estatuto da Juventude, promulgado em 2013, tem como principal objetivo tratar os direitos da população jovem, criando espaços para ouvir a juventude e incentivar nossa participação nos processos decisórios. Estes dois dispositivos garantem nosso direito fundamental à participação política e à cidadania.

A nossa geração precisa ser empoderada – ouvimos muito essa palavra – mas o que realmente significa esse empoderar? Significa promover a dignidade, a liberdade de decidir e controlar nossos próprios destinos com responsabilidade e respeito às diferenças. Só conseguimos isso através de uma educação política e cidadã que incentive cada um de nós a participar de todas as discussões que envolvem o presente e o futuro do nosso país.

A participação cidadã é um direito humano garantido em lei e fundamental para a concretização de outros direitos básicos. Mais que isso, a participação é a própria essência da democracia, uma vez que é por meio dela que o povo manifesta suas ideias e vontades a respeito das coisas públicas. Historicamente, os processos de participação popular estão, portanto, associados à luta por mais direitos e à própria cidadania.

E quando pensamos na participação de adolescentes e jovens os desafios são ainda maiores. Isso porque nossa sociedade ainda é adultocêntrica – ainda predomina uma noção de que adolescentes e jovens são incapazes de formar opinião e participar. Soma-se a isso o senso comum de que somos apáticos e desinteressados politicamente em comparação às gerações anteriores.

Adolescentes e jovens são sujeitos em desenvolvimento e com potencial de intervir criativa e positivamente na sociedade para promover transformações. E sim, se interessam por questões sociais e políticas! Para mergulhar mais no tema, indicamos a videoaula da Escola de Cidadania para Adolescentes sobre participação cidadã das juventudes:

 

É urgente a necessidade da juventude estar a frente dos processos, conduzindo nosso país para uma nova rota. Essa tarefa cabe a cada jovem desenvolver, porém não é uma missão simples e sabemos disso, pois nos encontramos num momento de descrença perante órgãos públicos e perante as pessoas que foram empossadas com a missão de nos representar. Mas não podemos desistir desse processo, muito menos abrir mão de um direito que é nosso!

Devemos ter atenção a tudo que está acontecendo: as decisões tomadas hoje influenciam o nosso futuro e os nossos sonhos.

A participação de jovens nos debates sobre nossas realidades é essencial para que a cidadania seja exercida de forma plena, pois é ela que abre caminhos para que nós, a juventude, sejamos agentes de transformação da nossa própria realidade e da realidade de gerações futuras.

Sem a participação cidadã da juventude, não alcançaremos o desenvolvimento social e político em que tanto trabalhamos. É esse o momento da nossa geração mostrar sua força, garra e coragem para avançar nas conquistas, frear os retrocessos e construir um novo modelo de política.

Em Recife, percurso formativo da ECA foi adaptado para tempos de isolamento

Equipe buscou soluções digitais para garantir o contato e os encontros com os educandos

A Escola de Cidadania para Adolescentes soma uma série de atividades em um percurso formativo que aborda diversos temas e propõe diversas atividades que estimulam a interação social e com os territórios aos quais as e os jovens pertencem, além do aprendizado sobre direitos humanos, democracia e participação social.

Em anos anteriores, o projeto foi aplicado na cidade de São Paulo (SP) e Belém (PA). Em 2020, a Escola de Cidadania partiu para Recife (PE). Com o avanço da pandemia de Covid-19, alguns desafios apareceram para a execução do projeto.

A equipe do projeto precisou redesenhar o percurso formativo, buscando soluções em plataformas e conteúdos digitais para garantir a realização dos encontros e a manutenção do contato com a turma.

Para a mobilização e processo de seleção do grupo de adolescentes, usamos as mídias sociais da ACESA e também da Releitura – Bibliotecas Comunitárias em Rede, que a instituição ACESA integra com a biblioteca Comunitária Amigos da Leitura. A parceria com a Releitura na mobilização foi fundamental, pois houve uma a participação das equipes de cada biblioteca comunitária para mobilizar leitores dos espaços em suas comunidades em três municípios da Região Metropolitana do Recife (Recife, Jaboatão dos Guararapes e Olinda). Foram inscritos 43 adolescentes e jovens, dos quais foram selecionados 33 participantes.

Durante o processo, realizado de julho a outubro de 2020, foram desenvolvidas atividades que tinham em comum construir o reconhecimento e assunção das identidades culturais de todas e todos os participantes (educandas, educandos e educadores envolvidos). O ciclo de formações foi construído entendendo a importância de propiciar as condições em suas relações uns com ou outros permitindo que as mesmas e os mesmos possam assumir-se como ser social e histórico, pensante, comunicante, transformador, criador e realizador de sonhos, mas sem que esta assunção signifique a exclusão dos outros, à luz dos ensinamentos do pedagogo Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa.

Foi escolhida a plataforma Google Classroom como Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Por lá, a equipe de educadores disponibiliza conteúdos multimídia – textos, fragmentos de e-books, vídeos, áudios, entre outros – para que cada adolescente possa estudar dentro de suas possibilidades de tempo e acesso à internet.

Após os estudos, cada educando pode interagir com educadores e colegas pela plataforma e apresentar atividades. No fim de cada ciclo de estudos e atividades, é realizado um encontro virtual para troca de saberes sobre Comunicação, Direitos Humanos, o que é Ser Adolescente e Ativismo Juvenil, além de sessão cineclube, oficinas de fanzine, audiovisual e sobre redes sociais.

 

Alysson Reis, adolescente que vem participando da Escola de Cidadania, falou sobre como tem sido participar do projeto em tempos de emergência sanitária:

“fomos pegos de surpresa por um vírus invisível e destruidor. Logo tudo, tudo mesmo, se tornou distante e à distância. A escola não foi diferente, logo a Física, Química, Biologia, Matemática entraram nas nossas casas e nossos cômodos foram adaptados para serem nossas novas salas de aula”

Ele apontou que mesmo em distanciamento, o modelo de ensino escolar não mudou, e esse formato trouxe problemas no aprendizado. A novidade chegou com as atividades da ECA:

“Para contrariar as expectativas de uma quarentena chata, difícil e tensa, alguns jovens de comunidade (como eu) imergiram em um diferente tipo de escola: a Escola de Cidadania Para Adolescentes. O objetivo parece simples: usar de instrumentos como a comunicação, os Direitos Humanos e a arte como forma de desenvolver o pensamento coletivo e a consciência cidadã.

Os encontros são como um portal que leva jovens periféricos a sonharem alto e além. Um portal que começa na expressão, na perspectiva e na interação de ideias e visões de mundo. A formação é extremamente apaixonante. Eu não quero que acabe. Me sinto muito bem acolhido, ouvido e inspirado. A cada nova atividade e encontro novas experiências que me fazem entender que a comunicação é fundamental para o nosso desenvolvimento enquanto cidadão e ser social.”

Integração e mapeamento afetivo: primeira etapa da ECA Belém

Após a seleção das e dos jovens oriundos de diversos bairros periféricos da região metropolitana de Belém, foram organizadas duas atividades que tiveram o objetivo maior de integrar estes adolescentes e promover um mapeamento afetivo sobre realidades e pertencimentos pessoais e sociais, preparando-os para os conteúdos das oficinas da Escola de Cidadania.

Atividade de integração da ECA Belém

Em uma roda de conversa de apresentação individual, as e os adolescentes puderam trocar ideias e conhecer um pouco sobre suas trajetórias. O eixo temático escolhido para essa atividade passou por estabelecer significados para termos como escola, cidadania e a adolescência.

Essa construção coletiva trouxe informações importantes sobre como aquela juventude desejava ser o espaço físico da escola e seu lugar enquanto adolescente nas suas comunidades, bem como o desejo por acesso a espaços de troca e convivência social amigáveis e didáticos.

A segunda atividade buscou criar um mapeamento afetivo entre as e os adolescentes inscritos no percurso da Escola de Cidadania, num movimento de reflexão sobre suas diversas realidades periféricas. Ao dividi-los de acordo com suas regiões geográficas, foi possível facilitar suas percepções sobre afetividades e interações sociais.

Atividade de mapeamento afetivo

Nesta etapa, a troca de ideias evidenciou problemas estruturais comuns às periferias não só de Belém como de todo o território nacional: a falta de equipamentos públicos plurais e acessíveis dificulta a manutenção das afetividades, as relações sociais e a permanência das e dos adolescentes em seus territórios.

Debates e teatro explicam a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente

Um dos principais objetivos do projeto da Escola de Cidadania para Adolescentes é apresentar para as e os jovens participantes seus direitos e dar a elas e eles instrumentos para que se tornem cidadãos com maior entendimento de sua posição dentro da dinâmica democrática.

Para aproximá-los de seus direitos, foi pensada uma oficina especial para debater o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) – que é o marco legal e regulatório dos direitos humanos para crianças e adolescentes (desde o nascimento até os 18 anos ou até os 21 anos, para algumas questões) no Brasil.

Nesta oficina, os educadores propuseram uma atividade teatral: o Teatro da vida. Uma pequena peça, na qual as personagens eram convidadas a argumentar com a protagonista sobre o melhor caminho a seguir quanto à superação das dificuldades financeiras de sua família.

Enredo:

Sol é adolescente, pobre e leva uma vida difícil. Precisa se dividir entre os estudos, preocupações e afazeres domésticos. Sua mãe é deficiente e não pode fazer esforço nem trabalhar fora. Seu pai é alcoólatra e ausente e, quase sempre, não cumpre com suas responsabilidades. O seu desafio é aconselhar Sol a escolher o caminho que seus personagem acha que é melhor.

 

Personagens:

  • Pai violento e alcoólatra que não trabalha (ausente);
  • Mãe deficiente que não pode trabalhar (lamuriosa);
  • Adolescente filha de pai violento e mãe deficiente (confuso);
  • Traficante que precisa de um adolescente (insistente);
  • Dono / dona de padaria oferece trabalho (explorador e mesquinho);
  • Conselheiro ou conselheira tutelar (encaminha para acessar as políticas públicas);
  • Professor ou professora (aconselha a estudar);
  • Vizinha/vizinho (aconselha a fugir).

 

Depois da apresentação, a turma seguiu para uma roda de conversa sobre o que sentiram ao interpretar a peça e quais as dificuldades que tiveram para criar. Em seguida, algumas frases foram apresentadas aos jovens, para discutirem se estavam CERTAS ou ERRADAS.

“Crianças e adolescentes devem trabalhar para ajudar seus pais quando eles não têm condições de sustentar a família.”

“Adolescentes devem ir para a cadeia de adultos quando cometem crimes.”

“Se mais oportunidades forem dadas a adolescentes, menos crimes cometerão.”

“Crianças e adolescentes devem estudar mais e brincar e se divertir menos.”

 

A partir destas questões, a turma passou a estudar os termos do Estatuto da Criança e do Adolescente: o que é o ECA, quais direitos estão previstos no estatuto da juventude, qual a importância do ECA para as garantias de direitos destes cidadãos.

A partir daí, a turma conheceu alguns conceitos e fatos históricos relacionados à adolescência e foi convidada a refletir sobre a realidade brasileira e outras questões surgiram:

 

  • Já que existe o ECA, porque há crianças e adolescentes que continuam sem acessar seus direitos?
  • Como garantir que tudo o que está escrito se torne realidade?

 

Todas as discussões do dia foram sistematizadas em cartazes criados coletivamente, abordando o conteúdo apresentado sobre os direitos da criança e do adolescente, sobre a efetividade deste estatuto e os sentimentos que as e os adolescentes tiveram ao longo da oficina.

Escola, cidadania, juventudes, afetividades: as primeiras oficinas da ECA em São Paulo

Para começar as atividades do ciclo de oficinas da Escola de Cidadania para Adolescentes em São Paulo, foram elaborados encontros com atividades pensadas para aproximar as e os jovens participantes e mapear afetividades com suas comunidades e territórios.

No primeiro encontro, a integração. Os jovens foram convidados e produzir seus crachás de identificação marcados com diferentes cores que representavam as regiões de onde vieram. Em seguida, uma roda de apresentações fez com que eles e elas dialogassem sobre vivências e preferências individuais e comuns.

Após conhecerem a plataforma da ECA, a programação e o plano de atividades para as oficinas, a turma foi chamada a uma reflexão sobre os conceitos de Escola, Cidadania e sobre Ser Adolescente. A ideia central desta atividade é captar referências e experiências que cada jovem traz quando pensam sobre cada um dos conceitos propostos.

“O que é a escola?”, “Como a escola pode ser legal?”, “O que é cidadania e o que adolescentes têm a ver com isso?”, “O que é ser adolescente?” – estas e outras perguntas foram objeto de debate entre as e os jovens que, divididos em três grupos, produziram um cartazes com a síntese das discussões. Cada grupo apresentou seu cartaz e suas reflexões para os demais e escreveram sobre suas expectativas quanto ao projeto.

No segundo encontro, algumas dinâmicas e atividades colaborativas contribuíram para o mapeamento afetivo dos territórios, direitos, participação social, identidades e pertencimentos, além de definir acordos de convivência para as oficinas – um exemplo ilustrativo de como estes acordos estão presentes e são necessários para convivência em sociedade.

Após uma conversa inicial sobre as expectativas que as e os jovens relataram no final no primeiro encontro, uma ‘chuva de ideias’ iniciou trouxe para o centro da conversa o significado do termo mapeamento afetivo.

Para encerrar o segundo encontro, a dinâmica ‘Word Café’ dividiu a turma em grupos que, ao redor de mesas, discutiram os temas propostos na chuva de ideias: a cada 20 minutos, os grupos trocavam de mesa e passavam a debater um novo tema do mapeamento afetivo, com a ajuda dos educadores, que ficaram responsáveis por acompanhar a aplicação de um questionário que sistematizou o resultado das discussões.