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Rapidinhas

Quando ir pra rua é perigoso, o ativismo online pode ser a resposta

24 de junho de 2020

A experiência e os desafios com plataformas e estratégias de ativismo online em tempos de isolamento social onde ocupar ruas pode não ser o mais estratégico (e seguro).

Por João Henrique Alves Cerqueira

Não chegamos nem na metade da atual gestão presidencial e todos os dias lidamos com a proximidade cada vez maior de chegar no total colapso civilizatório. A sobreposição de crises (segurança pública, econômica, sanitária, política e ambiental) que estamos vivendo já seria um desafio imenso para qualquer liderança, mas o nosso chefe de estado tem aproveitado essas crises para alimentar a paranoia de sua base de apoio ao mesmo tempo em que cria conflito entre as instituições e intensifica a polarização ideológica no país.

Enquanto isso, caminhamos a passos largos para ser o pior país do mundo a lidar com a pandemia do novo coronavírus, com milhares de mortes de brasileiros que poderiam ter sido evitadas.

Com todos os elementos postos para fazer com que as ruas voltem a ser palco das manifestações, as recomendações sanitárias orientam que não existe uma forma segura de fazer isso acontecer.

Negar essas orientações é aumentar a chance de contágio pelo novo coronavírus, que por sua vez impacta em relação desproporcional pessoas que já estão em situação de maior vulnerabilidade social.

Mas quando ir para as ruas pode não ser estratégico (ou seguro), como podemos canalizar a urgência e necessidade de se manifestar e incidir nos processos de tomada de decisão do nosso país?

A resposta vem de movimentos e organizações que já estão utilizando as redes virtuais como plataforma de incidência política muito tempo antes da pandemia limitar as possibilidades de fazer isso. É o caso da Rede Nossas – um laboratório de ativismo que desde 2011 associa os espaços de participação institucional, a mobilização criativa e as plataformas virtuais para incidir em políticas públicas.

“A experiência da incidência online tem sido desafiadora, em proporções muito maiores e com necessidade de reinvenção e uso de táticas criativas de forma mais intensa do que antes da pandemia.” conta Ully Ribeiro, moradora da zona oeste do Rio de Janeiro, gestora pública pela UFRJ e mobilizadora no Meu Rio / Rede Nossas:

Nesses quase três meses de isolamento, foram 5 campanhas grandes em nível federal, destaco a campanha pelo adiamento do Enem, Sem Aula, Sem Enem, articulado com diversas organizações, coletivos e cursinhos comunitários na qual precisamos, mais uma vez, inovar para conseguir pautar um projeto na Câmara dos Deputados. Por entender que precisávamos inovar nas táticas para pressionar os parlamentares, automatizamos a criação de páginas de pressão para que cada escola, instituto, colégio, cursinho pudesse criar sua própria página para pressionar, via e-mail, os deputados federais do seu estado. Com um pedido mais centralizado e com recorte estadual, conseguimos fazer com que diferentes deputados se manifestassem favoravelmente ao adiamento do Enem. Poucos dias depois, o senado colocou o projeto em votação e o Inep se pronunciou pelo adiamento da prova.

Ully conta ainda que, entre todos os momentos delicados que vivemos, se surpreendeu positivamente com o senso de solidariedade das pessoas em um crowdfunding:

Dia 9 de junho colocamos no ar a campanha #4GparaEstudar com a meta inicial de arrecadar 100 mil reais para comprar pacotes de internet à alunos periféricos de cursinhos parceiros, e em 24 horas arrecadamos 200 mil reais. Mas claro, é sempre importante trazer a reflexão do quanto essas pessoas e toda a sociedade que doam seus dinheiros e investem em redes de solidariedade, estariam dispostas a concordar com mais políticas públicas de distribuição de renda.

Para começar a se organizar para incidir politicamente online, Ully sugere um primeiro passo: o da busca ativa:

Estamos num momento de caos político, social, sanitário. Temos inúmeras manifestações antirracistas rolando, muitas redes de apoio psicológico acontecendo, secundaristas mostrando, mais uma vez, como são mobilizados e engajados e quem não tá acompanhando isso, precisa fazê-lo! Não dá mais pra só dizer que não sabia, que não ouviu falar ou não leu sobre. Siga produtores de conteúdo negro, mulheres, favelados, se inteire do que tá rolando, do que as organizações e movimentos estão fazendo, e principalmente, como você pode ajudar. Seja com divulgação, doação de alimentos/materiais, grana, assinando petições, fazendo pressões nas redes sociais de tomadores de decisão. Toda ação é válida porque tudo é política.

Equipe ‘Meu Rio’ / Rede Nossas

As redes virtuais já são um dos principais campos de debate na política – seja nas sessões legislativas por videoconferência, seja nas fakenews disparadas nos zaps pelos país.

É essencial entender e qualificar o seu uso para que essas plataformas alcancem seu potencial para ampliar o acesso à participação política, ainda mais em um período onde a mobilização convencional nas ruas do país se apresenta como perigosa e pouco estratégica – pelo menos para o lado do espectro ideológico que acredita na ciência, nos dados, na medicina e que a terra não é plana.

 

João Henrique Alves Cerqueira é colunista da Agência Jovem de Notícias.