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Rapidinhas

A dificuldade de se mensurar a crise climática

19 de junho de 2020

Desde a ECO-92, muitos planos caminham junto com a gritante falta de ação efetiva para medir e conter os danos da crise climática. Por que as respostas são sempre insuficientes?

Por Igor Vieira

Já faz muito tempo desde que engravatados e entusiastas por uma nova era se reuniram no Rio em 1992 para pensar num novo acordo que trouxesse compromisso das nações através da convenção do clima das Nações Unidas.

Se o objetivo era evitar o que eles mesmos chamavam de interferência humana no sistema climático, faltam muitas reuniões que gerem ação.

Com o passar dos anos, essa gana deveria ter ficado mais forte – O cenário todos já conhecem: aquecimento, migrações, exploração de recursos naturais, colapsos socioambientais, populações em vulnerabilidade, eventos climáticos extremos, essa lista seguiram facilmente. A ciência que liga a crise climática a esses fatores é precisa e fala que as coisas tendem a piorar.

De certa forma, parece que o mundo está preparado para a tarefa que precisa ser executada. Existe a opção das energias renováveis, novas formas de pensar mobilidade urbana, formas diferentes de distribuir água e garantir seu acesso – em processos que viabilizem a descarbonização¹.

O que tem faltado é que os tomadores de decisão e formadores de políticas usem suas ferramentas para promover mudanças reais, taxem impostos sobre o carbono, regulamentem e, sanem uma dívida histórica que os grandes poluidores possuem com países em desenvolvimento, que são os mais afetados pela crise.

Mesmo com tudo isso sendo óbvio (para alguns), países e chefes de estado se reúnem ano após ano nas conferências de clima, se reencontram, discutem, tiram bonitas fotos e falam do compromisso de todos e não os levam a sério. Temos um problema óbvio, um desespero que só cresce, muita coisa em risco e soluções adequadas sendo sugeridas o tempo inteiro, principalmente por jovens e representantes dos povos originários e tradicionais. Ainda assim, por que a resposta é sempre insuficiente?

Para além do grande motivo óbvio: o lobby rico e extraordinário das grandes corporações poluidoras e detentoras de grande parte da economia global que escolhem como vão alertar sobre a crise climática e, em sua maioria, sequer o fazem. Alimentando um sistema de protagonistas e antagonistas que tem de um lado as indústrias de combustíveis fósseis com todo o dinheiro e do outro lado da balança todo o resto, que ainda assim, não parece ter peso para combater essa cultura dos fósseis que rejeita as evidências.

Existe outro ponto para se levar em consideração: o mundo não tem a mínima noção de como lidar com um problema tão complexo como a crise climática e nem as instituições que lutam para combatê-la fazem suas ações com completa certeza. A crise climática é um vilão invisível que se dissipa na diversidade de seus efeitos ao redor do mundo, fazendo com que seja cada vez mais difícil nomear e endereçar os problemas complexos causados pela dinâmica devastadora imposta por ela.

Os danos causados pela crise climática são diretamente sentidos por pobres, países pobres e pessoas em vulnerabilidade e isso, mais uma vez, retroalimenta o cenário de protagonistas e antagonistas criado pela indústria dos fósseis.

Se historicamente pobres sempre sofreram, quem tem dinheiro, em sua grande maioria não se importa com isso.

Os grandes empresários que taxam os barris de petróleo e a família que precisou se deslocar para morar em um novo país, muitas vezes de forma ilegal, para ter acesso à água não se conhecem – tenha certeza disso, mas os ativistas climáticos sabem que essa taxação e essa manutenção da forma de viver é injusta, só não conseguiram ainda uma forma adequada de trazer essas pessoas afetadas para a luta e colocá-las como reais protagonistas no combate à crise climática. O motivo? A sobrevivência é mais urgente.

O coletivo não é prioridade para quem sente na pele as marcas das consequências trazidas pelas alterações do clima.

A dificuldade de se mensurar a crise climática é exatamente essa: ela está difusa por todas as partes do mundo causando problemas ambientais que refletem na saúde, na moradia, no transporte, no bem estar e que por isso, se camuflam nos problemas históricos de como a sociedade tem vivido até então.

O denominador comum da crise climática é o modelo de desenvolvimento predatório que criamos e nos tornamos viciados, e que se maquia em nuances. Não é como a pandemia do COVID-19 que estamos vivendo, por exemplo, que sabemos exatamente o que está causando e mais importante, sabemos o que é necessário para combatê-lo: uma vacina. A crise climática não será resolvida com uma vacina, ela precisa ser combatida com um conjunto de ações que repensem a forma como construímos tudo até então e coloque a sociedade mundial em posição de refazer isso.

Não existe mais um jeito normal de viver, é preciso encontrar o novo normal, e não é uma pandemia que nos dará isso.

Enquanto não considerarmos que isso é uma necessidade, os que estão em melhores situações vão continuar se adaptando mais rapidamente às mudanças do clima do que os mais vulneráveis, que vão seguir sem ter motivos para criar mudanças sistemáticas. O crescimento não deve ser renunciado, ele precisa ser revisto para uma forma que seja de fato sustentável e não mascare exploração e manutenção desse sistema com objetivos coloridos e utópicos para quem não tem acesso a recursos e, principalmente a medidas de financiamento climático².

Sem políticas para disseminar alternativas para quem de fato precisa se adaptar com urgência, a inovação que tanto se fala vai ser inútil.

Tecnologia precisa ser utilizada, mas, as nuances de quem de fato sabe viver em equilíbrio precisa ser o combustível nessa jornada de mudanças. Considerar soluções baseadas na natureza com os povos originários é por si só uma importante forma de inovar e, principalmente, diminuir a resistência em relação às políticas combativas à crise climática.

Os efeitos da crise climática são, a esse ponto, quase que previsíveis, enquanto que as soluções jamais o serão. Essa diversidade para a mensuração da crise climática nos coloca em uma situação de ter esperança que a partir de agora: a cooperação como nunca se viu antes precisa começar a agir para reorganizar de forma radical o mundo.

Olhar o mundo de novo e enxergar onde estão os recursos, planejar a produção de alimentos e energia em torno disso e em torno das populações. Nesta geração e na forma como vivemos agora mesmo estamos criando o clima para o planeta do futuro; por mais utópico que pareça atingir as metas de emissão, vai ser muito mais difícil se esse problema ficar para as próximas gerações. Com cooperação, ousadia e não deixando ninguém para trás conseguiremos fazê-lo.

Igor Vieira é colunista da AJN. Texto originalmente publicado na Agência Jovem em 18 de junho de 2020.